Há 40 anos atuando em prol das liberdades, dos direitos humanos, das pluralidades contra o racismo e a intolerância religiosa, Ivanir dos Santos recebeu o prêmio Internacional Religious Freedom (IRF), em julho último. Foi entregue pelo Departamento de Estado do Governo dos Estados Unidos, durante evento em Washington, pela importância na luta contra a intolerância a praticantes de religiões de matriz africana no Brasil. Ele foi o único líder religioso do Ocidente a ser premiado. Ao olhar para a trajetória de vida e militância, dentro e fora da esfera social, cultural, religiosa, política e acadêmica, o seu nome desponta como uma referência.
É interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) há doze anos – e, em parceria com o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), a CCIR vem chamando a atenção da sociedade e das autoridades públicas para o perigo da construção de um estado teocrático em um país constitucionalmente laico como o Brasil. Suas lutas muitas vezes se entrelaçam à história de vida de tantas crianças pretas nascidas na Favela do Esqueleto, removida da área onde existe a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) para Bangu, no início dos anos 60.
No Esqueleto, Ivanir foi criado pela mãe, a doméstica Sonia, até os seus 7 anos, quando ela foi brutalmente assassinada. Filho de mãe solteira, foi entregue ao Serviço de Assistência ao Menor (Sam), ligado ao Ministério da Justiça que, após o golpe militar de 1964, mudou de nome para Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem). Ivanir ficou recluso por 12 anos e carregou, por muitos anos, o estigma de ex-interno de um sistema que considerava crianças e jovens negros pobres das comunidades como potencialmente um perigo social.
Venceu todas as barreiras, estudou muito e fundou, com um amigo de internato, a Associação dos Ex-Alunos da Funabem, em 1979. A ideia surgiu após observarem que os alunos que saíam dos internato eram discriminados pela sociedade, não conseguiam empregos – e muitos entraram para o crime, mesmo com a ficha limpa até então. A iniciativa fez com que Ivanir levantasse a voz pela primeira vez para denunciar a ação crescente dos grupos de extermínio, um prenúncio sobre casos que posteriormente ganharam dimensões alarmantes, entre eles a Chacina da Candelária, em julho de 1993, e a Chacina de Vigário Geral, no mês seguinte.
Quando esses crimes ocorreram, Ivanir já estava envolvido na causa até o pescoço. Cinco anos antes, havia coordenado o primeiro levantamento oficial sobre o extermínio de crianças brasileiras para a Defense for Children International (DCI), entidade com sede em Genebra, na Suíça. O documento serviu de base para o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), lançado no Brasil em 1990. Ivanir dos Santos colaborou com importantes campanhas – "Não Matem Nossas Crianças", "Abolição do Trabalho Infantil" e "Tráfico de Mulheres é Crime", entre outras – e dedica a sua vida a batalhar ao lado de movimentos populares fundamentais como esses.